quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

SÓ QUATRO LINHAS

Porque não entendem,
renegam a felicidade...
Ignoram que ela é pecado humano,
a contrariedade original.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

CAMINHANDO

Dê-me a mão,
não tema meu dizer:
trago-lhe apenas uma alma mecânica
e uma imagem padronizada!

Tenho paixões esquecidas,
horrores adormecidos,
algumas formas recusadas
e um deus presumido.

Não tenha receio!... Vamos!...
A avenida é muito grande,
adiante, os templos das formas,
esta cidade é muita linda.

No vento, seu corpo quente,
sua alma tão necessária,
sua respiração essencial,
e seu silêncio.

Temos tempos consolidados,
uma distância circunstante.

Vê estas árvores?
Prenunciam as sombras das noites,
falsas imagens de luzes projetadas,
a liberdade estabelecida.

domingo, 29 de novembro de 2009

DOMÍNIOS

Os que imploram sempre golpeiam,
há a tradição e os ímpetos do medo,
palavras que se desarticulam,
estranhas sintaxes.

Os piedosos são os que impõem,
trazem deuses e frutos permitidos,
as imagens das sombras,
os sentidos da hipocrisia.

Nos cálculos da cegueira,
a mudez e a recusa,
os olhos apagados,
o frio dos ventos vazios.

A dor não mais é o que faz gritar,
mas o que silencia a voz contrária,
a desesperança dos supliciados,
as razões de uma alma adversária.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

EXISTÊNCIA

Nas intensidades das coisas,
onde se cancelam os tempos,
nossos passos sem sentido,
nossas não-indicações.

E nossas imagens,
como os pássaros estranhos da noite,
sombras em que nos mostramos.

Erguemo-nos com nossas ausências,
nossos caminhos escondem o nada,
as catástrofes das simetrias.

Aqui estamos!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

AMBIENTE

Na sala, as imagens descontinuadas,
as pessoas que se sentam
e que se percebem.

Na sala onde se acontece,
espelham-se conversas convenientes,
chocam-se submissões...

E gestos circunstanciais.

Nos sussurros, o transitório,
as palavras impossíveis,
a inércia dos objetos.

Na sala que se vence em si mesma,
que se expande e se estreita,
vultos sequiosos e angustiados...

Na sala, na tão exclusiva sala.

sábado, 14 de novembro de 2009

DEPOIS DA AULA

Conclusivas recusas
e um chão escondido.
Sólidos ventos levam o tempo.

Na intensidade da luz do dia,
calor, umidade e dor.

Lá embaixo, o pequeno morro
e pequenas várzeas estreitadas;
adiante, a rígida cerca dos homens.

Nas cores intensas que se escondem,
muitas serpentes adentradas.

A casa, que é tão real, é distante;
em meu falar ocultado,
é uma construção adversa.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

ADVENTO

Das profundidades do dia,
chego com minhas substâncias:
meus sólidos passos,
passos decisivos.

Suor já seco e incrustado,
pele escamosa, pele dura,
homem encerrado,
mãos inexistentes.

Suponho-me ar,
temeridade dos olhos,
brisa gélida,
noite.

domingo, 1 de novembro de 2009

TRIVIALIDADE

Nossas permanentes tristezas...
Grandes demais para que choremos.
Nossas vergonhas, nossos vexames,
temos supostas flores nas mãos.

O mundo sempre é distante de nós, muito distante,
e somos um tanto enlouquecidos:

vivemos a época que não temos
e cantamos a canção que não é nossa...
Multidões passam em demasia na rua,
passam e pisam ininterruptamente.

sábado, 31 de outubro de 2009

RECLUSÃO

O corpo dói,
arde em paredes frias.
Chuva intensa...

Lá fora, fortes clarões, estrondos,
ventos gritam na solidão do mundo,
rasgam-se as matas e os tempos.

No vazio da noite,
a casa é única, é solitária,
é o cimo do mundo.

Há ânsia e desolação,
sujeição às luzes antigas,
e sentidos velhos e disformes...

Memórias de muitos sonhos.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

PERCEPÇÃO

Dos sonhos surgem construções,
formas brancas, alucinantes,
e claridades azuis de seguidos dias.

No chão, as imagens...
Elas surgem malditas, já esquecidas,
são sujas as luvas das almas cobertas.

E meus olhos frios,
sempre desistentes,
são vôos de pássaros mortos.

Insistentes vôos...

Filhos bastardos
em meu céu de sangue,
em meu céu vermelho.

De dentro de mim sai um corpo,
cubro-o com dores e angústias,
roupas coloridas estendidas no varal.

NO ALPENDRE

Nunca pensamos o que dizer,
mas bem lá, depois deste lugar,
na escuridão derramada sobre o morro
e sobre aquelas vargens embrenhadas,
veja o recado do mundo conhecido!

Não tema, não se feche na rede,
a mariposa não incomoda tanto,
seu vôo é muito pequeno!

Lá dentro, a lâmpada descoberta e esgotada;
no brilho jogado em um canto da noite,
insistente inseto na fugacidade da existência,
tênue fogo no abandono da casa necessária
e um lugar único no centro da sala.

No silêncio de nossa lenta respiração,
nossos corpos; em nossas sombras,
os restos das pessoas que se foram,
as mecânicas para fazer-nos,
elementos de vozes costumeiras.

Na única casa tão existente,
o calor que não conheceremos
e a pequena mariposa.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

DESENCANTO

Tenho, do princípio de tudo,
o que ainda me resta dizer,
águas mortas e um tempo,
o que não pode ser pensado.

Orações consumam-se no silêncio,
cobrem sonhos e passados inconclusos,
e há uma mulher sob imagens omitidas,
uma pretendida mulher muito nua...

E as ilhas...

Tantas ilhas de fino vidro,
ilhas abandonadas, já esquecidas,
que ainda se quebram nos vazios do oceano,
no que não pode existir...

domingo, 18 de outubro de 2009

ACONTECER

Por um instante, permanecemos inertes.
No precipício, o que cai eternamente:
a linda manhã anunciada,
o futuro atribuído.

O mundo é destoante.
O abismo é o que nos permite ser,
se tanto sonhamos e desejamos
e há uma loucura que não nos pertence.

Sempre nos procuraremos nos ocasos,
pois um sol desconhecido é o cotidiano,
há vozes esperadas e inquietantes,
flores estão onde não existem.

Em nossas faces, ventos e reflexos,
os vazios da transparência dos espelhos,
brilhos fugazes, formas frias:
sentimo-nos nus e escorregadios.

sábado, 17 de outubro de 2009

NÁUGRAGOS

Ei, moça que permanece:
vejo-a marinheira sem águas,
trôpega em areia fina e ardente,
sem corpo e sem história,
deformidades de si mesma!

Percebo-lhe o conteúdo,
essência líquida em ar decomposto.
Há um oceano cósmico inalcançável,
águas imensas, permanentes,
absurdos de náufragos ausentes.

Nessa imensidade, moça,
sempre meus olhos destoantes,
matérias vítreas e estagnadas,
faces de ventos salinos
e leites lunares.

...

Dou-lhe minha substância impossível,
eterno sinal, estranha natureza,
beijo ácido e forma casual,
roupas com circunstâncias estrelares:
o céu é difuso e acidental.

Há espelhos estraçalhados,
conformidades de padrões,
o amanhecer desta linda cidade,
superfícies de imagens latentes.

SEIS LINHAS

Nosso elo é inexistente:
temos a desistência,
o não-ser.

De nossas têmperas necessárias,
só a carne e nenhuma palavra,
nenhum gesto.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

NO BAIXIO

Este é meu dia lindo!
Águas límpidas do riacho,
mansas e tímidas águas,
barro dissolvido nos pés descalços,
conformidades em meu caminhar lento,
adiante, rochedos encravados na terra.

Do dia retiro flores,
ofereço-as a sua luz intensa.
Há cantos de pássaros invisíveis
e trilhas de animais encantados;
acima, ruínas de casas antigas,
passos dos homens desconhecidos.

Em meus sentidos, as perspectivas
e a exaustão das palavras que me foram ditas.

domingo, 11 de outubro de 2009

TORMENTA

Ventos acumulam-se...
E nuvens.

Eles se revestem de memória e de carne,
de gritos de almas, de dores de sonhos.
Nas distâncias das montanhas,
na chegada da noite anunciada,
raios são metais que fendem as rochas,
as batidas do martelo na bigorna,
o chão em que não se pisa.

E, por trás de três paredes de luz,
olhos cobertos por cortinas rasgadas,
as conformidades dos espelhos
e cabides com velhas roupas pendentes,
sangue derramado em leito quebrado.
No mormaço do ar, forja-se o tempo,
o anonimato dos sussurros.

Do nadir ao zênite,
o silêncioso estrondo do mundo.

sábado, 10 de outubro de 2009

NO CAMPO GRANDE

Proibições, restrições,
ressalvas, asseverações...
Insistências e delírios:
o que é apontado e dito,
minha voz é outra voz.

Minha invenção é minha habilidade,
dança frenética... Diabolicamente,
na solidão, no absurdo de meu vazio.
E convoco musas mestiças feitas de ar,
envoltas em nuvens alvas, flutuantes,
busco-lhes a delicadeza dos pés livres,
o calor de suas vulvas mágicas
e seus filhos tristes e esquecidos.

Tenho a desistência dos malditos
e a inconsistência das imagens,
reconstruo o panorama desta praça,
a majestade de seu monumento,
em que se aprisiona a tradição humana,
o gesto de liberdade petrificado.

domingo, 4 de outubro de 2009

AGONIA

Flores foram inventadas
e concluídas sem espinhos:
há um corpo inteiro sem núcleo.

Têm-se números em supostas louças,
cinzas consagradas, de espaços inexistentes:
as canções são de noites antigas,
gritos ensandecidos,
artifícios de túmulos consentidos.

Pés arrastam-se lentamente
e os olhos são negados.
Há vozes inclementes
e a surdez das almas:
brasas frias, muito frias.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

VISITA À CIDADE

Roupa nova para ir à cidade,
a que nunca foi usada,
cheiro feliz de naftalina.

Em ruas, avenidas e praças,
as mesmas luminosidades,
os mesmos antigamentes,
os mesmos olhos.

Nos reflexos do largo rio que tem uma ilha,
mangues extremados por areias pardas,
movimentos mansos das fortes correntezas,
águas escuras e incessantes...

No rosto, o frescor dos ventos do oceano,
onde o mundo se amplia e se desconhece,
permanentes ventos, fortes ventos,
nuvens brancas no azul do céu titânico.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

TERNURA

Dê-me um beijo, ele será o mundo,
e inventemos um imenso passeio,
uma prece aos talentos dos sonhos:
não choremos por nossa permanência,
não nos maltratemos!...

Com nossas vergonhas e vexames,
comporemos flores inexplicáveis,
variando-as em muitos chãos usados,
chãos plenos de fracassos e tristezas.
São surpreendentes nossos ídolos medíocres!

As coerências do mundo não nos implicarão:
aos olhos dos homens que se angustiam,
somos delicadamente brutais e vazios,
temos o calor que afasta a mão oferecida.
Beije-me, vá, beije-me!...

domingo, 20 de setembro de 2009

MAPA ABSTRATO

Planos, retas, espaços,
esboços e exasperações...

Parecer dizer e sofrer,
traços dispersantes,
procuras excessivas,
o correr dos sentidos,
o fugir.

Nas digressões, a monotonia,
o imenso vazio das coisas.

Espasmos em demasia,
as conveniências dos enganos,
ilhas se perdem no escuro do oceano,
ectoplasmas de almas,
a exaustão, a desistência.

sábado, 19 de setembro de 2009

CATARSE

Pés negros batidos no chão,
calejados, feridos, sangrados,
seqüências alternadas:
complexidades.
Corpos giram:
encadeamentos de lógicas.

Percussões ecoam,
vozes cantam uníssonas
nos rituais dos métodos,
tambores das noites.

Nos ritmos dos espíritos,
inteligências de mecânicas,
agregações e purificações,
retiram-se peixes do mar,
removem-se troncos e pedras.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

O BANQUETE

Uma taça transbordante,
o sangue é vivo e quente...
Um coração mecânico pulsa,
o pão está numa mesa de ouro.

E todos se sentam à mesa,
tomam o sangue e a carne,
sentem seus pés firmes no chão,
tudo fazem sob uma condição inútil.

Há uma construção inusitada,
um chão bem limpo,
um espaço vazio
e um cérebro que flutua.

E há uma luz muito tênue,
um sol muito distante,
a água dos peixes multiplicados,
e os esgotos da cidade.

As calçadas são de uma rua gasta,
óvulos são deixados em um canal.
Na sarjeta, o contato das coisas,
no beijo, destila-se o veneno.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

CONFISSÃO

Unicamente diante de seus olhos,
minha imagem de conformidade,
que é dor de meu profundo sono,
intensidade de minha alma,
minha ilusão atroz.

Tenho-a deslizando em meu tempo,
prisioneira de minha confissão sem voz,
do que construo porque me destrói.

O que eu diria somente a seus olhos?...
Nada diria, porque meu olhar é lunar,
é como a noite da solidão do campo,
é o intenso segredo que me rói!

sábado, 27 de junho de 2009

"BUATE" ACAPULCO (1)

Na esquina com o beco imundo,
da comprida rua suspeita;
nas agitações das noites,
no sossego dos adormecidos,
no silêncio das casas fechadas:

a velha escada quase não range,
canções fortes ecoam lá encima,
voz sonora em velha vitrola,
traições, fracassos, desilusões,
as promessas dos corpos manchados.

No salão, lâmpadas vermelhas e azuis,
misturas de meias-luzes embrumadas,
mesas com seus panos enodoados,
as velhas cadeiras com vernizes gastos,
as impudências, os sentidos e os olhos:

algumas mulheres que esperam,
minhas belas possíveis...


(1) Um antigo estabelecimento do interior mineiro.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

NOITE

A lua já flutua em um mar poente,
uma lua pesada, imensa... No chão,
anjos feridos, sujos de sangue.

Em um ar bem vestido, brilhos encobertos,
o tempo definido em bolas vermelhas,
o isolamento, a inépcia, o mormaço...

Nas ruas, nas luzes das sombras,
as mulheres oferecidas
e os homens obscurecidos.

Sempre há uma voz que nunca existe,
uma varanda alta e uma janela fechada,
as tempestades de um tempo calmo.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

AS MULHERES DO CAMINHO

São mãos grossas, ásperas,
mãos que rompem o chão definitivo,
nas desordens das árvores mortas,
as tristes e silenciosas mulheres,
pedras essenciais sob luzes concretas.

O tempo é a poeira que se levanta no caminho...
e nele se assenta lentamente.

O passar de pés nus, pés calejados, feridos,
a indiferença ao sangue que escorre deles;
os olhos são os duros fragmentos da alma,
são os corpos castigados das idades,
as ferramentas que rasgam as imagens.

E os ventos noturnos, ventos sempre vazios,
o calar das dores dos dias, o frio mármore do sono,
filtram o silêncio da voz lunar, a quietude do tempo,
a carne esmagada e os ossos quebrados,
a mudez das mulheres baldias.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

SURGIR

O que acontece é desordenado:
o indiferenciado, a disformidade,
o não-significado.

Pelos filtros óticos,
a luz tênue e indistinta
é o dia de lá de fora,
o que constrói o ambiente.

Conteúdos em sucessivas formas,
as causas do tocar e do tocar-se.

Há uma razão ignorada,
o inato dos olhos cintilantes,
as variações dos pesos,
dos tumultos da noite inteira.

No plasmar dos sonhos,
a vontade de gritar
e a leveza do ar...

terça-feira, 26 de maio de 2009

REMATES

Afogar-me no mar.
O relógio flutua protegido.
São vários ventos, várias ondas,
e existe um dia sintético.

...

Há a permanência e o silêncio,
uma pesada carapuça atribuída,
um tempo sólido de relógio,
um suspiro mudo, um grito imundo.

Tudo se encerra no dia,
no cérebro que explode,
na modalidade de um mar,
morre-se de veias e sangue.

E existem os artifícios de uma avenida,
o abismo que ela veste para o mar,
tudo que contém um tempo morto,
uma voz e uma inutilidade para os ventos.

Adiante, a ilha distante.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

ALIENAMENTO

Entre minhas pernas, vômitos e pus...
E sai meu cérebro inteiro,
sai minha presença.

Em minha boca, uma enorme e incômoda dor,
meus olhos não existem, nunca existirão:
tenho as indiferenças das imagens,
o sem-sentido.

De meus ouvidos podem surgir infâmias,
a destruição do tudo e do nada,
uma avenida plástica,
a renitência dos dias.

terça-feira, 12 de maio de 2009

SUCUMBÊNCIA

Os gritos foram eternos...
Intestinos expostos e almas diluídas,
mãos que se levantaram vencidas,
cicatrizes extremas nos olhos resolvidos.

Sob as túnicas que cobriam os rostos,
as fisionomias contorciam-se,
corpos sugavam a si próprios,
nuvens anoitecidas cobriam os céus.

Restaram as dores inconclusas,
os vultos descompassados e intensos ,
os dias seguintes, os muitos dias...

sexta-feira, 8 de maio de 2009

QUANDO ELA PASSA

Seus olhos verdes...
Eles escondem ternura, carinhos,
e escondem-se de mim.
Ah, como sinto o passar dos dias,
em seus olhos tão verdes,
que me levam e fogem!

Dentro de mim, moça,
dou-lhe imagens que não existem
e, nas intensidades de meus sonhos,
invento-lhe a suavidade da brisa,
um suposto corpo matutino
e orvalhos anoitecidos.

Por trás do céu,
estrelas brilham escondidas.

OFERENDA

Beba este sangue que lhe ofereço
e também coma esta carne!...
Tudo! Beba e coma...
Tudo inteiramente!
É o que lhe ofereço.


E muito ria deste momento!
Faça-o em nossa ruína, em nossa desgraça,
na lama que tanto nos é afirmada quando repudiada,
e considere as condições, as origens,
os favores que nos fizeram!

domingo, 3 de maio de 2009

NO CAVALO ROUBADO

Vamos logo, agora mesmo, maravilhoso cavalo!
Leve-me agarrado em seu corpo de pêlo castanho,
na liberdade de suas crinas ao vento!

Já, no bater da cancela deste curral,
com meus pés-menino apertados em seus vazios,
para longe dos tijolos e dos sentidos das casas...

Há um bueiro que desafia o céu,
o barulho das maquinarias,
o forte cheiro do caxixe,
os canaviais invasores dos olhos,
das colinas mundo,
o calor do açúcar quente.

Leve-me para longe, bem longe!
Para bem depois do mandiocal,
do cemitério dos nativos esquecidos,
para a imensa mata do dia apagado,
para as grutas das onças adormecidas
e os rastros das cobras noturnas...

Leve-me onde está a santa-cruz do preto sofrido,
entre as árvores que os homens não abraçam,
onde estão os negros cavalos-do-cão
e as arapuás que se misturam aos cabelos,
fecham os ouvidos, fecham as narinas
e cegam os olhos!

Leve-me para onde estão as cigarras da tarde,
eternas em seus gritos tão distantes e solitários,
mas não me deixe esquecer o que já existe!

segunda-feira, 27 de abril de 2009

DESCOMPREENSÃO

A cidade, igual à morada,
não é sua, não lhe pertence,
ainda que a construa.
No buraco de uma agulha,
passa um elefante.

Nunca pergunte pelos motivos:
as coerências dos olhos, suas lógicas,
sempre meras aparências.

Não há razão no mundo.
As ordens são as singularidades das desordens.
Universos explodem como estrelas fossem.

DECLÍNIO

O abismo é minha alma,
é sua ausência, é sua imagem,
meus passos em suposta rua
e o vazio dos ventos.

Corre-se em busca de tudo
e morre-se interminavelmente.
Fica só seu suspiro, seu encanto,
o que deve existir.

Tenho uma direção inexistente,
invenções de beijos mortos,
e, diante de meus olhos, há flores sujas,
propósitos e causas irreveláveis.

sábado, 18 de abril de 2009

ESPECTROS

Ah, as pálidas mãos dos cativos,
as duras e ásperas mãos que cessaram
por trás da conformação das lágrimas!

Há linguagens sem imagens,
brasas frias, muito frias...
E pés arrastam-se lentamente,
muito lentamente,
já inexistentes.

Há um corpo desfeito,
muitos dias esquecidos,
um sol prisioneiro,
e raios distantes, perdidos,
os túmulos consentidos.

domingo, 12 de abril de 2009

ALTERNATIVA

De sua roupa florida,
cairão pétalas nos caminhos,
que serão os sentidos da vida,
tudo que florescerá
nos pés de quem as pisa.

E em seus significados,
homens de cabelos acobreados
pisarão com profundidade,
saidos das entranhas do mundo,
em imponentes cavalos negros.

Então, estudarei passados alheios
nas trevas do tempo,
nos muitos receios
dos homens inconformados,
sombras rústicas e famintas...

Dos homens despossuídos,
dos homens sem cabelos acobreados.

terça-feira, 7 de abril de 2009

DISSIPAÇÃO

Nas contradições dos dias mutilados,
formas podres surgem cultivadas
e afirmam-se imagens sem máculas,
as predominantes luzes das sombras.

Há gritos e risos deformados,
prédios com luzes desertas,
as diluições dos sentidos do silêncio,
e espelhos quebrados...

Há um sol que nunca arde,
que nunca se vê,
de dor esquecida,

e a contingência de ser....

sábado, 4 de abril de 2009

SERENIDADE

Ei, cidade que não é minha:
há cristais de noites frias,
almas intensas e vozes tumultuadas,
restos de densos dias repudiados!

Nos olhos que se fecham,
as instâncias das recusas,
os densos sonhos perdidos,
os traços de pedras perfiladas.

E chove mansamente, cidade, chove...

Nas casas das ruas simétricas,
há segredos sem sentidos,
substâncias inexistentes,
gritos e choros esquecidos.

E diluem-se as imagens desistidas,
há muitos vultos de almas fabricadas,
sussurros de veículos insinuantes,
muitos os brilhos largados no chão.

terça-feira, 31 de março de 2009

NA AVENIDA

Sob a luz, os cabelos lisos,
a suavidade do vento no rosto...

E seus seios, suas pernas desconcertantes,
as formas da claridade de um dia,
e carros passam desnecessários.

Há os gestos e os silêncios das pessoas,
nos olhos, as estátuas de um contato
ou o sentido de uma pele perfumada;

nos braços, o estabelecido,
as mãos vestidas como roupas,
em seus lábios, uma alma inicial.

E os soldados invisíveis que vigiam...
E seu corpo tão macio e imaginário...
E as pessoas que passam na avenida.

segunda-feira, 30 de março de 2009

CONJUNÇÕES

Nas aparências dos muitos dias,
as superfícies, as superfícies...
[os tempos que se descontinuam
e a impenetrabilidade das sombras].

Nas pedras das ruas, os passos,
as aniquilações das origens,
mil imagens desfiguradas,
recalcitrações dos infames.

Nas mãos e nos braços aprisionados,
carnes esmagadas, faces dominadas,
desordens das tempestades primordiais.
Nos terrenos baldios, o lixo.

quinta-feira, 26 de março de 2009

INDO À ESCOLA

Zuna, bicicletinha, zuna,
corra ladeira abaixo!...

Em meu rosto desenfreado,
os sentidos das desordens do ar,
dos desafios ao vento,
dos descaminhos do caos.

Lá embaixo, a rua estreita e a praça,
o colono da estátua e o cinema dos sonhos,
depois, a rua das mulheres vadias,
só mais adiante, o colégio dos frades.

Desça a ladeira, bicicletinha,
desça rápido, muito rápido!
Ao lado da ladeira, a flor que não beijarei
é minha lágrima-virtude.

terça-feira, 24 de março de 2009

ENCONTRO

Talvez ouçamos muitas orações,
vozes e trombetas vibrantes
dos que aclamam as imagens.

Somos das terras dos vulcões,
terras extintas e necessárias,
de onde trazemos complexa bagagem,
o que nos resta caminhar.

Em nossa inconseqüência, vemo-nos sagrados,
apesar de nossas roupas tão vulgares,
das formas de Medusa que assumimos,
quando nos abraçamos, nos apertamos,
quando nos devoramos.

Queremo-nos em nossas palavras,
em nossos gemidos inúteis,
em nossas sórdidas invenções,
e em nossas oportunas mentiras...

A chuva cai muito lá fora, na noite.
Deixemos que os outros chorem.
E, depois, esqueçamo-nos em definitivo.

ASSIMETRIAS

Entrar por uma porta que é saída,
ter, no tato do vento, os espelhos dos olhos,
e alguém que sempre persiste dizendo:
“Pronto, aqui não estou!”

A luz é abismal, insondável,
é a omissão das sombras,
o mesmo que o escuro infinito,
uma consumação permitida.

Os passos, quando são firmes,
são sempre convulsivos
e há só uma direção,
um só caminho indicado...

Mas sempre há uma alma contrária.

sexta-feira, 13 de março de 2009

O SÉQUITO

Eu vejo o desfile imenso:
as faces, os risos mortos,
os muitos olhos escuros,
as bocas deformadas,
os hálitos fétidos.

Eu vejo o grande desfile
seguindo o potentado,
a infinita procissão de sombras,
estendida nas penumbras dos dias.

Eu sinto, eu percebo, eu sei!

Vejo a consistência dos vultos,
os cálculos de seus passos frios,
o desfalecer, a rendição dos santos,
na inteira submissão dos reflexos.

Vejo as enormes filas vindas das distâncias,
as mulheres ocultas, travestidas no branco,
e as lamúrias dos homens não-revelados,
seus pés inúteis sangrados.

E você é como uma jarra com flores murchas,
negra de água apodrecida e lodo,
pois, com minhas mãos, lhe nego um abismo
e entrego-lhe imagens profundas sem véus.

Eu sempre venho, sempre me anuncio:
ainda lhe trago incenso, ouro e mirra
e trago-lhe, agora, uma cruz de acrílico,
tenho uma imensa avenida plástica.

PERMANÊNCIA

Ah, ainda tenho minhas pedras, muitas pedras!...
E trago, agora, vidros e resinas abundantes,
também meus engenhos híbridos e fulgurantes,
e ergo-me em meus enormes templos adversos.

Eu tenho luzes fundamentais,
visto-me com as levezas do acrílico,
trago a explosão dos elementos originais,
meu pecado, minha presença.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

VENTOS

Os ventos levam os tempos consigo,
e levam os sussurros, levam os alentos,
nunca escutam e nada dizem sobre as indiferenças
que há em seus lamentos e desencantos.

Eles, os ventos, nunca param,
sempre se vão, sempre,
nunca retornam.

E deixam, tão-só, os tormentos antigos,
o silêncio das histórias inconclusas,
as efemeridades dos sucessos,
as pessoas reclusas das memórias.

No silêncio, sua presença que cessou,
nos sucessos, as noites que não foram intensas,
nas memórias, a permanência dos mesmos dias.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

SOL-DAS-ALMAS

Lá, na vermelhidão do horizonte,
onde tão-só os olhos alcançam,
o imenso incêndio, o termo da luz,
o fogo eterno que procura a noite.

Nas ave-marias da pequenina cidade,
três badaladas em um sino sem eco,
braços abrem-se em negras asas de pele,
vultos cegos desordenam-se no ar.

Corre ônibus, corre ônibus!...
Corre para o fim do tempo, corre
em busca do que sempre se distancia,
do bem depois do fim do mundo!

Corre com seu barulho permanente,
com a triste monotonia de seu motor,
no sono de tudo que passa,
no triste silêncio da solidão!

Ao longe, os serrotes escurecidos,
os rochedos desnudados do tempo,
o que tanto detém meus olhos,
as capoeiras secas, as poucas árvores...

No sol-das-almas, há o frio do nada
e as árvores são vultos necessários,
são sombras sinistras que se libertam,
a poeira do tempo cessado...

domingo, 25 de janeiro de 2009

CONTRAPONTOS

Ofereço-lhe flores que inventei,
flores que se concluem sem espinhos,
como corpos inteiros sem núcleos,
extraídos das cinzas de espaços inexistentes.

E minhas serenatas dentro das noites
encobrirão os gritos ensandecidos, os gritos...
As vidas enunciadas que surgirão dos artifícios,
os velhos caminhos consentidos,
os velhos caminhos...

Na penumbra de um quarto você estará desnuda,
e poderei notar toda a delicadeza de seu corpo,
sua tão perfeita presença, quase rendida e muda,
perceberei seu corpo quente e a maciez de sua pele negra,
sua pele de cosmos... Sua pele... Eternamente.

Ah, tentarei colocar sua alma e seu corpo sobre lençóis,
sentirei sua respiração arfante, sua respiração-mulher,
o doce calor de seu hálito e da umidade de sua boca,
a sensibilidade que lhe é própria e seus olhos,
e ouviremos muitos veículos transitando nas ruas.

Retirarei, de mim mesmo, o amor que lhe darei,
meu coração que palpitará por ânsia verdadeira,
a ânsia por mim e por você mesma,
nos significados das derradeiras diferenças,
nas ruínas das semelhanças entre os anjos.

Então sentirei a leveza de suas mãos,
mãos que me tocarão tenras, quase tímidas,
mas que me empurrarão, que me excluirão,
e meus pés, lentamente, se arrastarão no chão...
Lentamente... No chão de brasas...
De brasas muito frias...

E os veículos continuarão transitando nas ruas.

EXEGESES SOBRE UMA CARTA DE TARÔ

Há o que vem do útero das estrelas,
fruto da penetração da luz nas trevas,
e está nas muitas encruzilhadas
das solitárias paisagens douradas,
onde se oferecem pistas falsas
e liras sedutoras aos enganados,
e lisonjas, muitas lisonjas...

Ah, viajante primordial,
mensageiro dos mensageiros,
que, com mãos encantadas,
transporta taças douradas,
que são túmulos de pedra fria
ou desvios da paixão e da vida,
os termos da alma partida!

Dominados os quatro elementos
e as vontades que nos são próprias,
o céu estará em sua mão direita,
no chão, um caminho que se estreita,
pois na terra, na água, no ar e no fogo,
estarão os tortuosos desvios,
as consumações e os transvios.

Moedas estarão espalhadas,
e duas víboras serão seus bastões,
as concretas razões das divergências
e também das sutis convergências.
Há um inevitável abismo humano,
em que o não-ser prepondera necessário
e contrapõe-se ao olhar visionário.

CONSTATAÇÃO

Silêncio:
há um vagar obstinado, a mudez das almas,
os jardins que se querem floridos, infinitos,
a ebulição dos desarranjos!

Ah, o consentimento, a insensatez,
os desatinos da conformação,
o que deve ser!...

As presumidas perfeições do efêmero,
os impossíveis e insuperáveis jardins,
as deformações da luz.

Há o que se esconde nas imagens,
as “inconcepções” dos sonhos,
os limites.