sábado, 31 de outubro de 2009

RECLUSÃO

O corpo dói,
arde em paredes frias.
Chuva intensa...

Lá fora, fortes clarões, estrondos,
ventos gritam na solidão do mundo,
rasgam-se as matas e os tempos.

No vazio da noite,
a casa é única, é solitária,
é o cimo do mundo.

Há ânsia e desolação,
sujeição às luzes antigas,
e sentidos velhos e disformes...

Memórias de muitos sonhos.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

PERCEPÇÃO

Dos sonhos surgem construções,
formas brancas, alucinantes,
e claridades azuis de seguidos dias.

No chão, as imagens...
Elas surgem malditas, já esquecidas,
são sujas as luvas das almas cobertas.

E meus olhos frios,
sempre desistentes,
são vôos de pássaros mortos.

Insistentes vôos...

Filhos bastardos
em meu céu de sangue,
em meu céu vermelho.

De dentro de mim sai um corpo,
cubro-o com dores e angústias,
roupas coloridas estendidas no varal.

NO ALPENDRE

Nunca pensamos o que dizer,
mas bem lá, depois deste lugar,
na escuridão derramada sobre o morro
e sobre aquelas vargens embrenhadas,
veja o recado do mundo conhecido!

Não tema, não se feche na rede,
a mariposa não incomoda tanto,
seu vôo é muito pequeno!

Lá dentro, a lâmpada descoberta e esgotada;
no brilho jogado em um canto da noite,
insistente inseto na fugacidade da existência,
tênue fogo no abandono da casa necessária
e um lugar único no centro da sala.

No silêncio de nossa lenta respiração,
nossos corpos; em nossas sombras,
os restos das pessoas que se foram,
as mecânicas para fazer-nos,
elementos de vozes costumeiras.

Na única casa tão existente,
o calor que não conheceremos
e a pequena mariposa.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

DESENCANTO

Tenho, do princípio de tudo,
o que ainda me resta dizer,
águas mortas e um tempo,
o que não pode ser pensado.

Orações consumam-se no silêncio,
cobrem sonhos e passados inconclusos,
e há uma mulher sob imagens omitidas,
uma pretendida mulher muito nua...

E as ilhas...

Tantas ilhas de fino vidro,
ilhas abandonadas, já esquecidas,
que ainda se quebram nos vazios do oceano,
no que não pode existir...

domingo, 18 de outubro de 2009

ACONTECER

Por um instante, permanecemos inertes.
No precipício, o que cai eternamente:
a linda manhã anunciada,
o futuro atribuído.

O mundo é destoante.
O abismo é o que nos permite ser,
se tanto sonhamos e desejamos
e há uma loucura que não nos pertence.

Sempre nos procuraremos nos ocasos,
pois um sol desconhecido é o cotidiano,
há vozes esperadas e inquietantes,
flores estão onde não existem.

Em nossas faces, ventos e reflexos,
os vazios da transparência dos espelhos,
brilhos fugazes, formas frias:
sentimo-nos nus e escorregadios.

sábado, 17 de outubro de 2009

NÁUGRAGOS

Ei, moça que permanece:
vejo-a marinheira sem águas,
trôpega em areia fina e ardente,
sem corpo e sem história,
deformidades de si mesma!

Percebo-lhe o conteúdo,
essência líquida em ar decomposto.
Há um oceano cósmico inalcançável,
águas imensas, permanentes,
absurdos de náufragos ausentes.

Nessa imensidade, moça,
sempre meus olhos destoantes,
matérias vítreas e estagnadas,
faces de ventos salinos
e leites lunares.

...

Dou-lhe minha substância impossível,
eterno sinal, estranha natureza,
beijo ácido e forma casual,
roupas com circunstâncias estrelares:
o céu é difuso e acidental.

Há espelhos estraçalhados,
conformidades de padrões,
o amanhecer desta linda cidade,
superfícies de imagens latentes.

SEIS LINHAS

Nosso elo é inexistente:
temos a desistência,
o não-ser.

De nossas têmperas necessárias,
só a carne e nenhuma palavra,
nenhum gesto.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

NO BAIXIO

Este é meu dia lindo!
Águas límpidas do riacho,
mansas e tímidas águas,
barro dissolvido nos pés descalços,
conformidades em meu caminhar lento,
adiante, rochedos encravados na terra.

Do dia retiro flores,
ofereço-as a sua luz intensa.
Há cantos de pássaros invisíveis
e trilhas de animais encantados;
acima, ruínas de casas antigas,
passos dos homens desconhecidos.

Em meus sentidos, as perspectivas
e a exaustão das palavras que me foram ditas.

domingo, 11 de outubro de 2009

TORMENTA

Ventos acumulam-se...
E nuvens.

Eles se revestem de memória e de carne,
de gritos de almas, de dores de sonhos.
Nas distâncias das montanhas,
na chegada da noite anunciada,
raios são metais que fendem as rochas,
as batidas do martelo na bigorna,
o chão em que não se pisa.

E, por trás de três paredes de luz,
olhos cobertos por cortinas rasgadas,
as conformidades dos espelhos
e cabides com velhas roupas pendentes,
sangue derramado em leito quebrado.
No mormaço do ar, forja-se o tempo,
o anonimato dos sussurros.

Do nadir ao zênite,
o silêncioso estrondo do mundo.

sábado, 10 de outubro de 2009

NO CAMPO GRANDE

Proibições, restrições,
ressalvas, asseverações...
Insistências e delírios:
o que é apontado e dito,
minha voz é outra voz.

Minha invenção é minha habilidade,
dança frenética... Diabolicamente,
na solidão, no absurdo de meu vazio.
E convoco musas mestiças feitas de ar,
envoltas em nuvens alvas, flutuantes,
busco-lhes a delicadeza dos pés livres,
o calor de suas vulvas mágicas
e seus filhos tristes e esquecidos.

Tenho a desistência dos malditos
e a inconsistência das imagens,
reconstruo o panorama desta praça,
a majestade de seu monumento,
em que se aprisiona a tradição humana,
o gesto de liberdade petrificado.

domingo, 4 de outubro de 2009

AGONIA

Flores foram inventadas
e concluídas sem espinhos:
há um corpo inteiro sem núcleo.

Têm-se números em supostas louças,
cinzas consagradas, de espaços inexistentes:
as canções são de noites antigas,
gritos ensandecidos,
artifícios de túmulos consentidos.

Pés arrastam-se lentamente
e os olhos são negados.
Há vozes inclementes
e a surdez das almas:
brasas frias, muito frias.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

VISITA À CIDADE

Roupa nova para ir à cidade,
a que nunca foi usada,
cheiro feliz de naftalina.

Em ruas, avenidas e praças,
as mesmas luminosidades,
os mesmos antigamentes,
os mesmos olhos.

Nos reflexos do largo rio que tem uma ilha,
mangues extremados por areias pardas,
movimentos mansos das fortes correntezas,
águas escuras e incessantes...

No rosto, o frescor dos ventos do oceano,
onde o mundo se amplia e se desconhece,
permanentes ventos, fortes ventos,
nuvens brancas no azul do céu titânico.