quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

INTERLOCUÇÕES

Os inversos, as conversas
e as pessoas adversas:
olhos que se agitam,
olhos que se justificam,
que se liquidificam conversos.

Existem muitos ventos e um só tempo invisível,
os inventos espúrios das sombras,
sombras que não gritam,
que nunca dizem,
que nem explicam.

Então se compõe um momento sintético,
extravagâncias, supostas formas originais;
há uma linguagem adequada e bem urdida,
o silêncio de ser,
o que se faz...

E, na noite, há catástrofes invisíveis de eternidades,
desarticulações, substâncias desmanchadas,
os paradoxos do imaginário,
as ruas inventadas,
a cidade....

A AULA

Os números em rígidas lousas,
como as palavras, os ditames,
a negação dos tempos impossíveis,
das vozes delinqüentes, do sereno
das noites que não podem acontecer.

As luzes têm que ser as preestabelecidas,
como a vida e os sentidos do ser e do não-ser,
mesmo que os pés se arrastem na escuridão.
A mudez e a cegueira são as obrigações primeiras
e as brasas não podem arder em terrenos baldios.

As mãos que confortam e aplaudem
são as mesmas dos que reprovam e reprimem,
mãos de quem sempre nega e exclui,
e escreve os números e as palavras,
as coerências e as discussões dos compêndios.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Exoração

Mãe-Terra, senhora dos grãos,
da fartura e dos agradecimentos,
da fertilidade e do amadurecimento:

não vê, em seus ermos quase desertos,
que suas estações pouco regeneram,
os passos de seus tristes filhos renegados,
que, vestidos de paixões e de escuridões,
do sofrimento dos homens agonizados,
buscam os braços do senhor das Trevas?

Lá, onde as árvores se descontinuam,
que são as presas das superfícies dos dias
e as substâncias tortuosas da noite,
corpos corrompidos, fragmentados!
Lá, onde os ventos são poeiras de lamas secas
e há a rigidez dos tempos encurvados!

Lá, onde os retirantes são sonhos aniquilados,
são mãos desfiguradas em braços esquálidos,
onde os rumos são os caminhos inexistentes,
pés de sangue que seguem pelas catingueiras,
as infâmias dos suplicantes e dos penitentes!

Via Láctea

Silêncio!...
Sinta o respirar eterno da noite,
do imenso tapete de estrelas,
do que permite a ausência da Lua,
os sentidos do mundo!...

Ouça os sons inaudíveis,
os sons do tudo e do nada,
do que está depois das estrelas
e depois de seus olhos,
depois de sua alma despida!

E não receie esta relva fria e úmida,
a relva que cobre esta colina invisível,
onde circulam cegas as serpentes,
nem as vargens brejadas, lá embaixo,
onde correm luzernas desorientadas.

Apenas se solte... E sinta,
sinta seu próprio valor, sinta seu medo...
O universo pulsa.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

APATIA

Existe uma permanência,
existe um mundo cansado;
ele tem os extremos de algum tempo,
um vento inicial abandonado;

existe um cômodo letal,
uma luz sem cor e sem brilho,
uma esquecida mobília lateral,
colchas amareladas, encardidas:

restos, velhas coisas desarrumadas.

Existe uma substância inerte e encerrada,
a frieza e os ecos de falas mortas,
os cristais dos dias e das noites,
um corpo acumulado e um tempo unificado:

as sombras da casa e as sombras da rua.

NO DIA EM QUE NASCI

Havia ventos. Antes que eu os percebesse,
eles cantavam, conduziam pensamentos,
conduziam beijos, flores produzidas,
os preceitos dos sonhos e das almas;
e, na solidez dos momentos inventados,
despertavam-se todos os pássaros do dia.

Ventos... Ventos...
Tão permanentes, tão intensos e envelhecidos,
e já se estendia uma idade e nada mais se fazia.
Nas formas renegadas e nos olhos sangrados,
as singularidades que não se percebiam.

E havia gente que chegava e que se ia,
algumas pessoas que morriam,
outras que se anunciavam novas,
e muitas pessoas que nada diziam,
talvez sentissem muito frio.

Reflexão

Não me permitiram data nem tempo,
minhas circunstâncias eu inventei,
ao furtar a linguagem da cultura,
ao querer-me não-sujeito,
e meu lugar é o segredo de mim mesmo.

Os pés não são para colocar no chão,
mas para medir o tamanho do Sol,
ao deitar-me na Contemporaneidade,
conferindo, na pós-idade,
que a luz ainda permanece a mesma.

Constrói-se porque há destruição
e constrói-se apenas para destruir,
já que a criação é o acontecimento do mundo,
o desespero profundo das criaturas,
dos saberes infecundos.

Na noite que tanto me invade,
sempre há uma doce colina invisível,
onde serpentes circulam ensandecidas,
o chão é sempre morno e imprevisível,
e sobre a relva, meu corpo despido.

SUBLIME LOUCURA

Ah, os que se pretendem poetas,
mesmo sem o serem!...

Com seus desvarios e ousadias,
por mais ridículos e incoerentes,
eles sempre tiram os pés do chão,
sempre voam sem poder voar
e bebem os leites das estrelas,
mas sem poder bebê-los...

E esquecem-se no sentir do si mesmo,
ou em palavras ou em olhos encantados,
quando não no sem-sentido,
na respiração do mundo.

O momento

Tudo está pronto.
Tudo está pronto em um canto
e algo rompe o silêncio e o vazio...
Esta é a hora!

Um chão bem despido e frio,
uma alma despropositada,
uma alma distante, empoeirada,
os velhos papéis rasgados.

Certa pressa, certa agonia,
o momento, a ansiedade,
o vozerio e o vazio,
a necessidade de conclusão.

E homens imensos se insinuam
eles se adentram em um tempo morto,
homens suados, seminus,
sólidos homens decisivos.

A partida, o restos abandonados,
e a casa bem escura, bem lacrada.

MEU COMPARECER

Aqui estou:
no silêncio de meus olhos,
nas palavras que não encontro,
neste dia em que escrevo!

Tenho eras escondidas,
aves-serpentes engaioladas,
são vontades-venenos extremadas,
tempestades, tempestades...
substantivas muralhas estremecidas,
casas demolidas e corpos saqueados.

Com meu grito imenso,
visto-me das velocidades dos ventos,
sinto o frio dos corpos desamamentados,
o intenso vibrar das vozes inválidas,
estrelas deslizando lentamente no chão.

Ainda ouço as sereias de Ulisses, o Odisseu,
sinto ainda a espuma do mar no rosto,
mas solto do mastro e sem Penélope,
coberto por panos tecidos nas noites,
nem mais meu cão me reconhece.

Agora, os cavalos são de sílica,
há sangue circulante em nervos óticos,
os invasores são outros, são metálicos,
e os gritos dos fantasmas da sagrada Ílion
são corpos que flutuam no mar adormecido...

Apenas corpos que flutuam...

A TRISTE MOÇA DA SALA

Ela, seus ouros envelhecidos,
seus antigos brinquedos violados.
Nos olhos e nos lábios sem expressão,
ela perfeitamente:

roupas apagadas de meio-de-sala,
do silêncio do corpo sobre a poltrona;
sob cabelos caídos, a substância negada,
o rosto voltado para os pés;

compondo o tempo e as sombras,
as opacidades das paredes,
seios esmagados, deformidades,
o espelho e os retratos apagados;

e, nas imagens e no chão exaurido,
há uma antiga criança deixada,
há o vazio dos passos, dos gestos,
e há vultos elaborados que vagam.

Tudo está decidido ali, naquele lugar,
nos movimentos aparentes das pessoas,
nas intransigências das expressões,
na imobilidade do ar!

Há desistências, há desistências...

NA JANELA

Veja, cidade: estou aqui, em seu dia,
através desta janela, vestido com sua luz!

Sei que tenho palavras que não digo,
desejos que sempre desconheci,
muitas canções inexistentes...
Ah, linda cidade!...
No frescor desses ventos,
ventos que são de seu dia,
sou naquilo que nunca pude ser.

Sobre minhas sombras, meus gestos,
minhas imagens tão cultivadas
e deixadas sobre os concretos das ruas,
passam veículos velozes, muito velozes.

Na mesa coberta com manto que teci,
feita com os sentidos de meus segredos,
nela, depositei muitos néctares e ambrosia,
a obediência de meu olhar eterno.

ÊXTASE

Quando alguém se toca
e busca e se sente com intensidade,
os minutos se tornam eternidades,
há valores e corpos violados,
há feridas por onde escapa o chão.

E surgem seres sem máculas,
luzes de sombras cultivadas,
almas intensas, vozes silenciadas,
e deslacram-se as imagens repudiadas...
Há cristais de sonhos no ar.