quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

RESISTÊNCIA

Meus dedos magros e pontudos,
dedos em riste, minhas recusas a sua dor...
Meu movimento é minha não-revelação,
o corpo ressaltado é o corpo modificado...

Vidro fosco de alma posterior.

Ofereço-lhe só o sentido de um pássaro,
mas vulto estranho que reveste o luar;
nas cartilagens negras da noite,
vozes amargas feitas de traições.

Homens gritam e morrem em porões,
e apodero-me de lençóis que não vejo,
e escondo-me, e escondo-me,
há muito silêncio em tudo.

PALAVRAS DO SILÊNCIO

Linda cidade,
sempre verei surgir nos dias
mil cores, mil artifícios,
combinações e recombinações.

Nos clarões irregulares de suas distâncias,
infinitas planuras e homens mudos,
efemeridades em meus olhos finais.

E há um profundo e incontrolável sono
e imagens que se emantam com ventos solitários,
o sentido de que você não é minha.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

AS MOÇAS COM VESTIDOS RODADOS

Nesta manhã, linda cidade,
ganhei novamente sua rua...
Inventando suas imagens,
banhei-me em suas cores,
em suas casas e prédios de sol,
apesar de suas muitas flores reais.

Com minha alma nua em seu vento,
descobri novamente sua longa avenida,
feita de nuvens imensas em dia claro,
e o grande rio que a margeia procurando o mar,
o que não se perpetua em olhos renovados,
garças que se escurecem diante da luz.

De meu caminhar antigo, caminhar-menino,
muitas ruas paralelas e perpendiculares,
moças misteriosas com vestidos rodados,
cinemas feitos de acrílicos e neônios,
escuridões interiores e brilhos direcionados,
evidências de focos de vidas não-vividos.

Nas calçadas, sentados em suas cadeiras,
os que já envelheciam e não percebiam...
Nas brisas frias e invasoras das noites quentes,
meus passos também paralelos e perpendiculares,
apressados, levando minha cabeça sempre baixa,
timidez diante das moças com vestidos rodados.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

REMINISCÊNCIAS

Enfrentei o tempo, não o construi,
canções ficaram na memória,
momentos e pessoas,
passos nos sobrados,
os vencimentos das idades.

Nos rumos quase invencíveis,
engoli o pó de muitas estradas,
pavimentos que não mais existem,
cobrindo-me com o barro do chão
e os córregos das águas passadas.

Gemas azuis e verdes ainda cintilam,
mesmo que as pedras outras já sejam;
meus olhos ainda vêem muitas ladeiras,
porões e sótãos de vidas clandestinas,
pedras brutas que não se lapidaram
[e mulheres que não mais se cortejam].

Vozes depositaram-se no vazio,
nos caminhos que muito existiram,
vidas que nos túmulos se resolveram,
e nas misturas de matas imensas e extintas,
onde santa-cruzes e demônios coexistiram.

MEU DIZER

Vento da manhã,
em seu frio inicial,
há cantos de pássaros,
movimentos de pessoas,
vida despertada!

Nas densidades dos rostos,
quando as estrelas morrem,
outros brilhos se acendem,
mulheres limpam mesas,
flores são jogadas no chão.

Na pretendida cidade,
há mundos conservados,
muitos mitos comemorados
e invenções das almas de plástico.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

ESTABILIDADE

Não há cores, mas brilhos atribuídos,
adiante, um só corredor comprido...
Na profunda estreiteza do olhar,
na frieza dos muros encardidos.

E nos cantos desta sala,
onde nos fazemos ausentes,
as aflições das invitáveis noites,
os invioláveis segredos das paredes.

Entre esses limites concretos,
as insubstâncias dos caminhos...
É por onde as pessoas passam
e nunca existem.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

MATURIDADE

Ainda permaneço, ainda...
Conservo recordações,
velhos sonhos...
E algumas dores que já não acontecem.

Faço-me tempo consumado,
inconsciência que ergue muros,
indiferenças conclusivas.

Neste momento,
contraio-me bem fugaz:
no silêncio da omissão,
já há um organismo em execução.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

CAÇADA

Pancada da cancela, um descuido!...
Passarinho voa em busca da árvore.
Menino esperto com estilingue.

Sob o azul do céu e as alvas nuvens flutuantes,
no imenso dia do chão ensolarado,
bate-se o passarinho desarrumado.