sexta-feira, 27 de agosto de 2010

FASCÍNIO

Admiro os loucos,
os que não temem o ridículo,
os desvarios das paixões,
o inconcebível...

Admiro os homens imundos, alucinados,
das obscuridades das esquinas e das sarjetas,
os que gritam enfurecidos para o nada
ou choram e uivam como cães perdidos.

Eles são aprofundamentos dos dias,
da imensa solidão da cidade,
e perdem-se como pedras frias
nos olhos dos homens resumidos.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

CONTINUIDADE

Pequeno rio quase córrego,
na descida do morro: expectativas,
meus passos...

No alto, ficam os gigantes
e minha impotência e minhas recusas,
ruas inferiores e cores feridas.

Dos barulhos de mares antigos,
através de frescos ventos,
a alma imprecisa que trago.

Mesmo que não se repitam os propósitos
e que já se tenham passados tantos dias,
você ainda é linda demais para meus olhos.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

ANOITECER

Há um significado solitário...
Na latência do horizonte,
o silêncio do mundo.

No escurecer da alma,
um único rosto,
a distância do derradeiro.

Nas últimas brisas,
a noite das vozes desatentas,
restos das ardências do dia.

ANIQUILAMENTO

O que lhes oferecem, senhores,
são atos de desistência,
apesar de olhares de dor,
de passos sonhadores.

O que lhes pedem!?...
O que se dispensa a um cão,
uma migalha essencial,
o que se atira ao chão.

Nas almas mortas,
há insensatez,
há insignificância,
o que não se aborta;

e, como substâncias,
pedras de ruas frias,
que são olhos esgotados,
as podridões dos dias.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

RESPLANDECÊNCIAS

Minha voz, minha alma inútil...
Ah, meus olhos sempre fixos,
magnitudes de imagens de ouro!

Nos intensos brilhos,
marcantes sublimações
e espelhos insepultos.

No silêncio dos pântanos,
corpos nus e luminosos,
contrários de estrelas.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

FRONTEIRAS

Ao virar-me na esquina,
rua que ficou para trás:
tempo em que a procurei,
em que ergui meus sonhos,
minha intensidade angular.

Rua de cores desbotadas,
veredas obscurecidas,
ventos sacudiam folhas.
Em meu desespero,
mundo devastados

[envolto em muitas sedas,
sonhei carícias desejadas,
e beijos, beijos convincentes,
palavras que não existiram,
nas simulações convenientes].

Ao virar-me na esquina,
não mais vesti sua carne,
nem sua ardência, nem seu dizer,
advinhava-me autêntico e frio.

Então já me percebia fluido,
evocava deuses flácidos,
meus passos desnecessários.

Ah, minhas continuidades inventadas,
dimensões nulas de corpo colorido,
ilusões de eternidade cósmica:
tenho estrelas nas mãos!

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

PASSEIO

Conformidades, termos:
presos no chão,
enormes rochedos;
no meio da relva úmida,
caminhos brancos e estreitos...
E meus pés na terra.

Porém, há você ao lado,
lado meu, tão meu,
seu corpo em vestido alado!...

Dentro da mata distante,
de árvores desconhecidas,
imagens de animais encantados
e perspectivas de meus olhos,
flores que tiro do dia
e ofereço-as a sua luz.

domingo, 1 de agosto de 2010

GAMBOA

Diante de tudo,
meu corpo imóvel,
e dissolvido.

Há nuvens em minha noite
e faixa lunar em mar escuro...
Sombras caminham o oceano.

No barro do chão primordial,
deposito ciências inquietantes,
densidades decompostas.

A gamboa esvazia-se lentamente,
suaves marulhos no baixar das águas,
pequenos saveiros balançam-se vazios.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

LUZERNAS

Não há vozes...
Repetidamente, soltamo-nos do chão,
para as distinções mortas do ar,
para o depois do silêncio.

Corremos ligeiros sobre o lodo:
há o que escorreu lentamente do morro,
formas decompostas e brilhantes,
seu jeito de fazer, seu corpo oferecido.

Lá em cima, nas esplanadas,
seus cabelos feitos de vento,
nossos rostos de anoitecer,
nossa ausência.

Na vargem fria e adormecida,
O tempo indefinido do luar mórbido,
nossas almas desvanecidas,
luzes ligeiras e vadias:

nossas fugacidades
e sombras do tempo esquecido,
nossos percursos.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

RECOLHIMENTO

O vento acariciante, a brisa,
o balançar da rede na varanda,
meus olhos inúteis...

Há um mundo em mim...
Imobilidade,
mundo protegido.

Lágrimas quentes no frio do chão...
Um chão sem significado,
sem sentido.

Na calçada, o homem.
Chora pela dor que sente,
chora por si mesmo.

domingo, 25 de julho de 2010

DESORDENAMENTO

Não invento palavras,
apanho-as onde as encontro
e jogo-as como dados,
imitando ente divino,
nas desarticulações do universo.

Desconserto inteirezas:
as suposições das permanências,
as conseqüências dos significados,
estrelas deixadas em jardins.

Nas ocorrências das singularidades,
conjugo congruências com catástrofes,
explosões simétricas de luzes brilhantes,
beijos verdadeiros, mortes verdadeiras.

A história só é tempo construído,
expansões e contrações do si mesmo,
apenas uma dimensão enganosa,
o nunca existiu, o não pode ser.

domingo, 18 de julho de 2010

SOLIDÃO

Conheço esta cidade,
suas ladeiras, suas pedras,
o anonimato das pessoas,
suas casas de limo,
suas negativas.

Conheço as ruas desta cidade,
suas antigüidades, seus cansaços,
seus ídolos omissos;
nos sopés das ladeiras,
suas lamas acumuladas.

Nesta cidade,
de imagens velhas,
carnes apodrecem,
olhos secam,
passos mutilam-se.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

DESESTRUTURAÇÃO

Como o suor,
o sangue pelos poros:
lágrimas secas,
chão imundo.

Mãos substituíram pés,
corpos vestiram-se de terra.
Carnes e ossos,
ordens cadavéricas canceladas.

Sobram vozes do passado,
gritos e uivos alucinados,
restos imprestáveis do tempo,
as corrupções dos silêncios.

Na profundidade da noite,
estranhos alimentos,
segredos dos medos e dos excrementos.
Na quietude lunar, emergências tutelares

sábado, 10 de julho de 2010

ENCANTAMENTOS

Confundimo-nos com reflexos adequados
e ventos uivam longamente e cintilam...
Abundantes ondas de vidros.

Sóis profusos em nossos olhos,
convulsões de geometrias estranhas,
névoas escondem rochas maleáveis.

Cantam messalinas cativantes:
nos reluzires de nossos corpos,
anjos embriagados tropeçam;

nas vulnerabilidades de nossos crânios,
sedutoras serpentes enroscam-se
– há caminhos de cristais e estrelas.

Diante dos espelhos límpidos,
os ventos, os ventos,
são como fossem verdadeiros.

domingo, 27 de junho de 2010

JANELA DA MADRUGADA

Cidade que não é minha,
por que, cidade, por que
suas luzes ficam amarelas e fracas,
apesar das claridades de seus dias?

Em suas ruas, apenas chuva sem rosto,
e definitivas imobilidades de veículos...
[As paredes protegidas pelo silêncio,
os imensos sonhos dos homens].

Em seu vento do nada, cidade,
corpos inviabilizam-se cegos
e trazem-me a inutilidade do sono,
madrugada que se inicia desnecessária:

nos longos apitos em sua penumbra,
só os velhos vigias da invisibilidade,
a confusa solidão das contingências,
o que não tem voz, o que não pode ter voz;

nas invalidades de minhas magias,
o avesso dos chinelos que tenho nos pés,
o relógio que tenta organizar o tempo,
o não de agora, o não de mim mesmo.

Vento do nada, por favor, vento:
devolva-me o que levou, devolva-me!...

quinta-feira, 24 de junho de 2010

NA TAPERA

Retornamos aos dias anteriores:
antigos caminhos abjetos,
pés usados mas já sem feridas,
velha casa desmantelada.

Na sala, móveis enodoados,
pedaços de jarras caídas;
na poeira do chão sem cor,
vozes e passos esquecidos.

Com palavras permitidas,
teremos a velha fuga imaginada,
trilha lunar em direção da cancela,
o tempo que nunca existiu.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

INCOMPLETUDE

Eu lhe diria palavras doces, mas fúteis,
e oferecer-lhe-ia espaço imaginário.
Fingiríamos sentir-nos mutuamente,
brilhos frios de estrelas diferentes.

Nas longas apatias noturnas,
haveria valores de eternidade
[velhas roupas, feitas de sangue]
e expectativas inadmissíveis.

E esqueceríamos questões inquietantes,
juízos confusos e perturbadores,
em nossos corpos, apenas angústias...
E recusas.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

NA ESTRADA

Sob a ardência do Sol,
estrada, comprida estrada,
sanções de sonhos.

Vultos abandonados,
imensas e solitárias pedras,
pedras longínquas.

Há as formas das tempestades exordiais,
imagens corroídas, sempre fixas,
tempos sem águas e sem corpos.

Há o veículo, sua velocidade recalcitrante.
Também os desenganados, mãos feridas,
ossos quebrados em chão rígido.

E os ventos em que persiste a liberdade,
o que endurece os olhos.

terça-feira, 8 de junho de 2010

TROCA DE INQUILINO

Quando os olhos se fecharam
e nunca mais se abriram...
Sob a mansidão do intenso luar,
nuvens brancas se enegreceram.

Em corpo frio e rígido,
encerraram-se as luzes,
fecharam-se as janelas
e as portas definitivas.

...

Pintura nova nas paredes,
verniz fresco deixado no chão,
renovado o ar respirado.

Dentro das antigüidades,
outras portas, outras janelas,
novo corpo decisivo.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

PROSSEGUIMENTO

... por areias alvas,
por mares silenciosos e densos,
mares em demasiado desertos...

Pedras excedem-se nos caminhos,
bolas de fogo correm no céu,
tempestades que não existirão...

Nas vulnerabilidades dos sonhos,
já os ouros dos dias vencidos...
E os entrechoques do tempo,
as reinvenções de sua face.

No chão ardido, meus olhos,
leite branco-ensangüentado,
e pés cobertos por velhos panos.

terça-feira, 6 de abril de 2010

ESCURECIMENTO

Ainda no início da noite,
as conversas de homens pretéritos,
suas constatações e invisíveis construções,
os poucos cães ainda rosnam aprisionados.

No aprofundamento do tempo,
todos se calam, fecham-se as casas:
há um sentido de fome e abandono,
soltam-se os cães na escuridão.

Nos sonhos adormecidos,
a conclusiva conformação,
os ressonos dos homens
e as mulheres laterais.

E vozes e gestos inexistentes,
gritos e sussurros de almas malditas,
dos cães, os longos uivos para as estrelas:
pedras frívolas de ruas vazias.

Então, na pequena cidade anoitecida,
alguma criança chorará solitária,
no esquecimento estará a eternidade.

domingo, 4 de abril de 2010

OLHARES CONSENTIDOS

Nunca se preocupe:
com os mesmos olhos veja a cidade,
ainda que não da mesma maneira!

[Conclusões dependem de espelhos
e de curvaturas de muitos vidros,
luzes que nos permitem].

Se temos a mesquinhez do espaço
e a sordidez dos amantes-heróis,
suponhamo-nos pessoas dignas;

e inventemos orações fúnebres e ritos,
deuses frios e ruas de mármore,
os jardins fictícios das memórias!

[Em nosso adormecimento,
há mundos totalmente abandonados
e inconseqüências de passos permitidos...].

Com nossas construções,
temos uma presença bem rápida,
somos circunstanciais.

[Ah, as situações que não existiram,
em que deveríamos ter sido!...
Veja: o dia suposto já ressurge!].

sábado, 3 de abril de 2010

ANSEIO

Temos esta noite inteira
e o verde de seus olhos,
mas não o dia seguinte.

Nossas descontinuidades...
Angústias e indiferenças,
luzes que se desmancham no céu.

Vamos, não tenha medo:
a areia brilha quando a pisamos,
temos evidências que cegam!

Nossos corpos cintilam, ofuscam-nos,
tudo é muito repetido, muito mágico,
temos encantos a serem tocados.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

PASSOS NO SILÊNCIO

Andarei pela cidade com morte verdadeira,
sem a intensidade que me vem do imenso rio:
na linda praça dos homens aclamados,
sempre estarão as mulheres não-calculadas.

Andarei, ainda, com todas minhas lágrimas,
com meu sangue ausente,
uma só trilha, um só caminho,
a escura passagem de meus sonhos.

Minhas falas são seus silêncios,
passos prisioneiros,
e sua feição meiga e calma,
minha alma agonizante.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

HORIZONTES

Uma mesa e quatro cadeiras,
ao lado, leite derramado.

Janela de brancas cortinas,
vento que as desordena,
gotas de lágrimas e sangue.

Lá fora, na intensa luz do dia,
correm os sonhos inquietantes.

Nas latências dos tempos concretos,
meus espaços imaginários,
o prosseguir por onde me nego.

Há a suavidade dos segredos,
os valores da eternidade.

Sobre o brilho intenso do chão,
estrelas precipitam-se,
desmancham-se desordenadas.

terça-feira, 23 de março de 2010

PUREZA

Olhares fosco-brilhantes:
vertigens na noite que se afirma...

O Sol já é de vidro sem cor,
silente água desce pela lama,
escorrega entre plantas pegajosas.

E você ri com docilidade,
ternamente, muito ternamente...

Com suas mãos entre bolhas escuras,
retira cores de vapores fétidos
e concebe-me uma triste inocência.

terça-feira, 2 de março de 2010

ADOLESCER

Nos sonhos tocava-lhe de leve os cabelos,
cautelosamente...

Acariciava-os e percebia a suavidade de seus olhos,
a pele sedosa que descia por seus ombros,
suas feições de desejo e de muito medo.

Lindas alças levadas pelos braços,
pouca resistência, delicadeza,
beijo quase roubado e quase negado.

Sutiã branco e bordado com flores,
seios delicados, púberes, pequenos,
seios que não podiam ser tocados.

Junto à parede, corpo quente insinuava-se,
formas sob levezas de vestido gasto,
e véus ainda não se desmanchavam no chão.

segunda-feira, 1 de março de 2010

CLÍMAX

No cimo do mundo,
arde a casa das paredes frias:
há negativa de sonhos
e chuvas muito intensas.

Nas gritarias dos ventos,
clarões rápidos e fortes,
o arrastar do tempo
e o vazio da noite.

Velhas luzes apagam-se,
almas desimplicam corpos,
o sangue transborda do rio,
a casa é solitária e única.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

RESISTÊNCIA

Meus dedos magros e pontudos,
dedos em riste, minhas recusas a sua dor...
Meu movimento é minha não-revelação,
o corpo ressaltado é o corpo modificado...

Vidro fosco de alma posterior.

Ofereço-lhe só o sentido de um pássaro,
mas vulto estranho que reveste o luar;
nas cartilagens negras da noite,
vozes amargas feitas de traições.

Homens gritam e morrem em porões,
e apodero-me de lençóis que não vejo,
e escondo-me, e escondo-me,
há muito silêncio em tudo.

PALAVRAS DO SILÊNCIO

Linda cidade,
sempre verei surgir nos dias
mil cores, mil artifícios,
combinações e recombinações.

Nos clarões irregulares de suas distâncias,
infinitas planuras e homens mudos,
efemeridades em meus olhos finais.

E há um profundo e incontrolável sono
e imagens que se emantam com ventos solitários,
o sentido de que você não é minha.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

AS MOÇAS COM VESTIDOS RODADOS

Nesta manhã, linda cidade,
ganhei novamente sua rua...
Inventando suas imagens,
banhei-me em suas cores,
em suas casas e prédios de sol,
apesar de suas muitas flores reais.

Com minha alma nua em seu vento,
descobri novamente sua longa avenida,
feita de nuvens imensas em dia claro,
e o grande rio que a margeia procurando o mar,
o que não se perpetua em olhos renovados,
garças que se escurecem diante da luz.

De meu caminhar antigo, caminhar-menino,
muitas ruas paralelas e perpendiculares,
moças misteriosas com vestidos rodados,
cinemas feitos de acrílicos e neônios,
escuridões interiores e brilhos direcionados,
evidências de focos de vidas não-vividos.

Nas calçadas, sentados em suas cadeiras,
os que já envelheciam e não percebiam...
Nas brisas frias e invasoras das noites quentes,
meus passos também paralelos e perpendiculares,
apressados, levando minha cabeça sempre baixa,
timidez diante das moças com vestidos rodados.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

REMINISCÊNCIAS

Enfrentei o tempo, não o construi,
canções ficaram na memória,
momentos e pessoas,
passos nos sobrados,
os vencimentos das idades.

Nos rumos quase invencíveis,
engoli o pó de muitas estradas,
pavimentos que não mais existem,
cobrindo-me com o barro do chão
e os córregos das águas passadas.

Gemas azuis e verdes ainda cintilam,
mesmo que as pedras outras já sejam;
meus olhos ainda vêem muitas ladeiras,
porões e sótãos de vidas clandestinas,
pedras brutas que não se lapidaram
[e mulheres que não mais se cortejam].

Vozes depositaram-se no vazio,
nos caminhos que muito existiram,
vidas que nos túmulos se resolveram,
e nas misturas de matas imensas e extintas,
onde santa-cruzes e demônios coexistiram.

MEU DIZER

Vento da manhã,
em seu frio inicial,
há cantos de pássaros,
movimentos de pessoas,
vida despertada!

Nas densidades dos rostos,
quando as estrelas morrem,
outros brilhos se acendem,
mulheres limpam mesas,
flores são jogadas no chão.

Na pretendida cidade,
há mundos conservados,
muitos mitos comemorados
e invenções das almas de plástico.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

ESTABILIDADE

Não há cores, mas brilhos atribuídos,
adiante, um só corredor comprido...
Na profunda estreiteza do olhar,
na frieza dos muros encardidos.

E nos cantos desta sala,
onde nos fazemos ausentes,
as aflições das invitáveis noites,
os invioláveis segredos das paredes.

Entre esses limites concretos,
as insubstâncias dos caminhos...
É por onde as pessoas passam
e nunca existem.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

MATURIDADE

Ainda permaneço, ainda...
Conservo recordações,
velhos sonhos...
E algumas dores que já não acontecem.

Faço-me tempo consumado,
inconsciência que ergue muros,
indiferenças conclusivas.

Neste momento,
contraio-me bem fugaz:
no silêncio da omissão,
já há um organismo em execução.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

CAÇADA

Pancada da cancela, um descuido!...
Passarinho voa em busca da árvore.
Menino esperto com estilingue.

Sob o azul do céu e as alvas nuvens flutuantes,
no imenso dia do chão ensolarado,
bate-se o passarinho desarrumado.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

ANOITECIMENTO

A enorme baia, a ilha adiante...
Longe dos olhos, outras ilhas...
Volto-me para seus seios cobertos,
descubro-os enrijecidos.

Sob a estátua do poeta,
muitas pedras pisadas
e, vestindo estrelas consumidas,
suas pernas, a maciez, o calor.

Diante de mim, o escuro do mar,
o sal que me constrói os olhos,
há um trio elétrico que passa
e invento os corpos das ruas.

Ladeira abaixo, as velhas casas,
de porta em porta, prostitutas,
levezas de carnes expostas,
tristes sonhos em noite fecunda.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

TARDE DE VERÃO

Na ladeira dos homens passados, sempre,
as descobertas dos vultos e das sombras,
sol ardente sobre escadas alternadas...
No topo da ladeira, o objetivo,
a suavidade do vento nos olhos,
o ar que se respira.

Lá embaixo, sob telhados tumultuados,
mulheres e meninos desencontrados,
nas ruas, os carros distantes;
no alto, na moita-esconderijo,
carne de seda ardente que espera
e passos quase imobilizados.

No não-acontecer,
sentidos e perspectivas,
pés em gramas densas e molhadas,
respiração e ansiedade,
codorna voa para o alto,
o céu é cúmplice do silêncio.

E, nos arredores da inércia,
há cheiros de fezes e urina,
chão imundo e imperdoável,
é dia, ainda não há estrelas.

SENTINELA

Os velhos morreram...
Deixaram suas cadeiras,
suas mesas, seus cristais;
e deixaram suas roupas sujas
e os que ficaram elaborados.

Muitas velas se consumiram,
muitas orações foram ditas,
anunciaram-se pretensões,
comemoram-se as memórias
e as faces inexpressivas.

Todos se olhavam e bebiam
todos se viam, se examinavam,
nos copos plásticos, a aguardente,
no chão, as imagens,
os limitados homens que ficavam.

Com suas almas vazias,
seus olhos frios, apagados
e murmúrios sem sentido,
os que ficaram choraram
e levaram o que foi deixado.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

TRÊS MOMENTOS

Depois que o sol ardeu,
depois que se queimou o ar,
e se fendeu o chão do mundo...

Depois que, sobre as estradas,
por onde passaram gentes imundas,
se adensaram as poeiras inanimadas...

[E as pedras solitárias, as pedras solitárias!...]:

Envergaram-se capoeiras cinzentas,
agitaram-se folhas inexistentes,
fragmentaram-se os ventos...

[Que trouxeram o imenso anoitecer,
o termo do tempo e seu silêncio].

E, inutilmente, os homens quiseram lutar!...

...

Reacendido o dia: nuvens negras,
vultos-insetos que refizeram o céu,
gritos misturaram-se com ventos:

sombras cortaram a luz,
cortaram os olhos e as vozes,
e reouveram a noite.

[Reouveram-na das preces das mulheres escondidas,
do choro das crianças arrependidas].

E o primeiro clarão brotou do chão dos mortos,
também o segundo, o terceiro, os seguintes,
dentro dos homens cabisbaixos.

Então o ar resolvido se explodiu em seus desenredos,
a noite rachou-se em seu próprio escuro
e portas fecharam definitivamente...

[Nos mistérios das casas,
nos segredos dos corpos nus].

...

Na recuperação da luz,
mil olhos iridescentes
e mil faces dissonantes...

[E as conotações das recusas].

No azul, no infinito campo celeste,
o longínquo corpo de prata
com duas compridas linhas de gelo...

[Limites de sua trilha deixada].