terça-feira, 6 de abril de 2010

ESCURECIMENTO

Ainda no início da noite,
as conversas de homens pretéritos,
suas constatações e invisíveis construções,
os poucos cães ainda rosnam aprisionados.

No aprofundamento do tempo,
todos se calam, fecham-se as casas:
há um sentido de fome e abandono,
soltam-se os cães na escuridão.

Nos sonhos adormecidos,
a conclusiva conformação,
os ressonos dos homens
e as mulheres laterais.

E vozes e gestos inexistentes,
gritos e sussurros de almas malditas,
dos cães, os longos uivos para as estrelas:
pedras frívolas de ruas vazias.

Então, na pequena cidade anoitecida,
alguma criança chorará solitária,
no esquecimento estará a eternidade.

domingo, 4 de abril de 2010

OLHARES CONSENTIDOS

Nunca se preocupe:
com os mesmos olhos veja a cidade,
ainda que não da mesma maneira!

[Conclusões dependem de espelhos
e de curvaturas de muitos vidros,
luzes que nos permitem].

Se temos a mesquinhez do espaço
e a sordidez dos amantes-heróis,
suponhamo-nos pessoas dignas;

e inventemos orações fúnebres e ritos,
deuses frios e ruas de mármore,
os jardins fictícios das memórias!

[Em nosso adormecimento,
há mundos totalmente abandonados
e inconseqüências de passos permitidos...].

Com nossas construções,
temos uma presença bem rápida,
somos circunstanciais.

[Ah, as situações que não existiram,
em que deveríamos ter sido!...
Veja: o dia suposto já ressurge!].

sábado, 3 de abril de 2010

ANSEIO

Temos esta noite inteira
e o verde de seus olhos,
mas não o dia seguinte.

Nossas descontinuidades...
Angústias e indiferenças,
luzes que se desmancham no céu.

Vamos, não tenha medo:
a areia brilha quando a pisamos,
temos evidências que cegam!

Nossos corpos cintilam, ofuscam-nos,
tudo é muito repetido, muito mágico,
temos encantos a serem tocados.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

PASSOS NO SILÊNCIO

Andarei pela cidade com morte verdadeira,
sem a intensidade que me vem do imenso rio:
na linda praça dos homens aclamados,
sempre estarão as mulheres não-calculadas.

Andarei, ainda, com todas minhas lágrimas,
com meu sangue ausente,
uma só trilha, um só caminho,
a escura passagem de meus sonhos.

Minhas falas são seus silêncios,
passos prisioneiros,
e sua feição meiga e calma,
minha alma agonizante.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

HORIZONTES

Uma mesa e quatro cadeiras,
ao lado, leite derramado.

Janela de brancas cortinas,
vento que as desordena,
gotas de lágrimas e sangue.

Lá fora, na intensa luz do dia,
correm os sonhos inquietantes.

Nas latências dos tempos concretos,
meus espaços imaginários,
o prosseguir por onde me nego.

Há a suavidade dos segredos,
os valores da eternidade.

Sobre o brilho intenso do chão,
estrelas precipitam-se,
desmancham-se desordenadas.