terça-feira, 19 de janeiro de 2010

ANOITECIMENTO

A enorme baia, a ilha adiante...
Longe dos olhos, outras ilhas...
Volto-me para seus seios cobertos,
descubro-os enrijecidos.

Sob a estátua do poeta,
muitas pedras pisadas
e, vestindo estrelas consumidas,
suas pernas, a maciez, o calor.

Diante de mim, o escuro do mar,
o sal que me constrói os olhos,
há um trio elétrico que passa
e invento os corpos das ruas.

Ladeira abaixo, as velhas casas,
de porta em porta, prostitutas,
levezas de carnes expostas,
tristes sonhos em noite fecunda.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

TARDE DE VERÃO

Na ladeira dos homens passados, sempre,
as descobertas dos vultos e das sombras,
sol ardente sobre escadas alternadas...
No topo da ladeira, o objetivo,
a suavidade do vento nos olhos,
o ar que se respira.

Lá embaixo, sob telhados tumultuados,
mulheres e meninos desencontrados,
nas ruas, os carros distantes;
no alto, na moita-esconderijo,
carne de seda ardente que espera
e passos quase imobilizados.

No não-acontecer,
sentidos e perspectivas,
pés em gramas densas e molhadas,
respiração e ansiedade,
codorna voa para o alto,
o céu é cúmplice do silêncio.

E, nos arredores da inércia,
há cheiros de fezes e urina,
chão imundo e imperdoável,
é dia, ainda não há estrelas.

SENTINELA

Os velhos morreram...
Deixaram suas cadeiras,
suas mesas, seus cristais;
e deixaram suas roupas sujas
e os que ficaram elaborados.

Muitas velas se consumiram,
muitas orações foram ditas,
anunciaram-se pretensões,
comemoram-se as memórias
e as faces inexpressivas.

Todos se olhavam e bebiam
todos se viam, se examinavam,
nos copos plásticos, a aguardente,
no chão, as imagens,
os limitados homens que ficavam.

Com suas almas vazias,
seus olhos frios, apagados
e murmúrios sem sentido,
os que ficaram choraram
e levaram o que foi deixado.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

TRÊS MOMENTOS

Depois que o sol ardeu,
depois que se queimou o ar,
e se fendeu o chão do mundo...

Depois que, sobre as estradas,
por onde passaram gentes imundas,
se adensaram as poeiras inanimadas...

[E as pedras solitárias, as pedras solitárias!...]:

Envergaram-se capoeiras cinzentas,
agitaram-se folhas inexistentes,
fragmentaram-se os ventos...

[Que trouxeram o imenso anoitecer,
o termo do tempo e seu silêncio].

E, inutilmente, os homens quiseram lutar!...

...

Reacendido o dia: nuvens negras,
vultos-insetos que refizeram o céu,
gritos misturaram-se com ventos:

sombras cortaram a luz,
cortaram os olhos e as vozes,
e reouveram a noite.

[Reouveram-na das preces das mulheres escondidas,
do choro das crianças arrependidas].

E o primeiro clarão brotou do chão dos mortos,
também o segundo, o terceiro, os seguintes,
dentro dos homens cabisbaixos.

Então o ar resolvido se explodiu em seus desenredos,
a noite rachou-se em seu próprio escuro
e portas fecharam definitivamente...

[Nos mistérios das casas,
nos segredos dos corpos nus].

...

Na recuperação da luz,
mil olhos iridescentes
e mil faces dissonantes...

[E as conotações das recusas].

No azul, no infinito campo celeste,
o longínquo corpo de prata
com duas compridas linhas de gelo...

[Limites de sua trilha deixada].