domingo, 27 de junho de 2010

JANELA DA MADRUGADA

Cidade que não é minha,
por que, cidade, por que
suas luzes ficam amarelas e fracas,
apesar das claridades de seus dias?

Em suas ruas, apenas chuva sem rosto,
e definitivas imobilidades de veículos...
[As paredes protegidas pelo silêncio,
os imensos sonhos dos homens].

Em seu vento do nada, cidade,
corpos inviabilizam-se cegos
e trazem-me a inutilidade do sono,
madrugada que se inicia desnecessária:

nos longos apitos em sua penumbra,
só os velhos vigias da invisibilidade,
a confusa solidão das contingências,
o que não tem voz, o que não pode ter voz;

nas invalidades de minhas magias,
o avesso dos chinelos que tenho nos pés,
o relógio que tenta organizar o tempo,
o não de agora, o não de mim mesmo.

Vento do nada, por favor, vento:
devolva-me o que levou, devolva-me!...

quinta-feira, 24 de junho de 2010

NA TAPERA

Retornamos aos dias anteriores:
antigos caminhos abjetos,
pés usados mas já sem feridas,
velha casa desmantelada.

Na sala, móveis enodoados,
pedaços de jarras caídas;
na poeira do chão sem cor,
vozes e passos esquecidos.

Com palavras permitidas,
teremos a velha fuga imaginada,
trilha lunar em direção da cancela,
o tempo que nunca existiu.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

INCOMPLETUDE

Eu lhe diria palavras doces, mas fúteis,
e oferecer-lhe-ia espaço imaginário.
Fingiríamos sentir-nos mutuamente,
brilhos frios de estrelas diferentes.

Nas longas apatias noturnas,
haveria valores de eternidade
[velhas roupas, feitas de sangue]
e expectativas inadmissíveis.

E esqueceríamos questões inquietantes,
juízos confusos e perturbadores,
em nossos corpos, apenas angústias...
E recusas.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

NA ESTRADA

Sob a ardência do Sol,
estrada, comprida estrada,
sanções de sonhos.

Vultos abandonados,
imensas e solitárias pedras,
pedras longínquas.

Há as formas das tempestades exordiais,
imagens corroídas, sempre fixas,
tempos sem águas e sem corpos.

Há o veículo, sua velocidade recalcitrante.
Também os desenganados, mãos feridas,
ossos quebrados em chão rígido.

E os ventos em que persiste a liberdade,
o que endurece os olhos.

terça-feira, 8 de junho de 2010

TROCA DE INQUILINO

Quando os olhos se fecharam
e nunca mais se abriram...
Sob a mansidão do intenso luar,
nuvens brancas se enegreceram.

Em corpo frio e rígido,
encerraram-se as luzes,
fecharam-se as janelas
e as portas definitivas.

...

Pintura nova nas paredes,
verniz fresco deixado no chão,
renovado o ar respirado.

Dentro das antigüidades,
outras portas, outras janelas,
novo corpo decisivo.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

PROSSEGUIMENTO

... por areias alvas,
por mares silenciosos e densos,
mares em demasiado desertos...

Pedras excedem-se nos caminhos,
bolas de fogo correm no céu,
tempestades que não existirão...

Nas vulnerabilidades dos sonhos,
já os ouros dos dias vencidos...
E os entrechoques do tempo,
as reinvenções de sua face.

No chão ardido, meus olhos,
leite branco-ensangüentado,
e pés cobertos por velhos panos.